Publicado por: Política Externa | 28/09/2010

Para analistas, Brasil em alta passa por ‘renascimento’ na Europa em crise

Grã-Bretanha de Cameron e Hague colocou Brasil entre suas prioridades (Foto: BBC Brasil).

24/09/10

Daniel Gallas

Da BBC Brasil em Londres

O novo presidente brasileiro, que vai assumir o poder no dia 1º de janeiro de 2011, encontrará uma fase atípica nas relações entre Brasil e Europa.

O Brasil atravessa um momento de otimismo nas relações internacionais, com boas perspectivas de crescimento econômico e desenvolvimento. Já a Europa se recupera com grandes dificuldades do forte impacto da crise econômica global, enquanto enfrenta problemas no seu processo interno de integração, no âmbito da União Europeia.

Para diferentes analistas e diplomatas ouvidos pela BBC Brasil, os momentos distintos vividos por Brasil e Europa apresentam riscos e oportunidades para os brasileiros nas relações entre os dois lados.

Por um lado, o novo governo pode se aproveitar do aumento do interesse do interesse europeu nas relações com o Brasil para ampliar seus interesses econômicos e políticos na região.

Já para alguns analistas, o fato de a Europa estar passando por uma crise pode dificultar o avanço em negociações – como no comércio, por exemplo – já que os governos europeus estariam mais enfraquecidos internamente, precisando agradar a grupos que fazem lobby por maior protecionismo.

Renascimento brasileiro

O Brasil passa por uma espécie de “renascimento” na Europa, que é consequência da ascensão dos países emergentes na economia global, de acordo com alguns dos analistas. Entre os emergentes, o Brasil recebe mais investimentos diretos europeus do que a China e a Índia somadas.

“O mundo está passando por mudanças muito significativas. E o traço mais característico é a relevância acentuadamente maior dos países em desenvolvimento, que é de onde vem hoje a maior parte da riqueza adicional no mundo”, afirma o embaixador brasileiro em Londres, Roberto Jaguaribe.

Jaguaribe passou os últimos anos em Brasília, onde trabalhou no setor do Itamaraty responsável pelas relações com o mundo emergente. No mês passado, ele assumiu a embaixada brasileira na Grã-Bretanha, que, segundo ele, é um dos países europeus mais atentos para a mudança de status do Brasil no cenário internacional.

“A América Latina e o Brasil foram os espaços geográficos mais esquecidos da política externa do Reino Unido dos últimos 50 anos”, afirma Jaguaribe. “Agora se vê um renascimento de interesse aqui – pela América Latina, em geral, e pelo Brasil, em particular.”

Em julho, o ministro britânico das Relações Exteriores, William Hague, incluiu o Brasil entre as prioridades do novo governo do primeiro-ministro David Cameron.

“A Europa está em crise hoje. É muito mais difícil para os governos enfrentarem os lobbies, que são pequenos, mas que têm muita força política. Na França, será muito difícil o governo fazer qualquer concessão agrícola ao Mercosul que o enfraqueça internamente neste momento.”

[Alfredo Valladão]

“Agora o Brasil virou moda na Europa. Antes todos olhavam muito para a China e para a Índia, agora todos falam no Brasil. Vamos ver se essa ‘moda Brasil’ vai durar”, diz Alfredo Valladão, presidente do conselho consultivo da EUBrasil, entidade que promove a aproximação entre Brasil e União Europeia.

Interesses do Brasil

Nos últimos anos, o Brasil não conseguiu ampliar as condições de comércio com a União Europeia, depois que as tentativas de se firmar um acordo comercial do bloco europeu com o Mercosul fracassaram, por falta de concessões dos dois lados.

No entanto, os analistas apontam que mesmo com o fracasso no acordo comercial, o Brasil ampliou seus interesses na Europa em outras esferas, sobretudo no campo da governança global.

O país foi chamado como convidado para todas as reuniões do G8 – grupo dos países ricos do mundo mais a Rússia, integrado por quatro potências europeias (Grã-Bretanha, França, Itália e Alemanha). Após a crise econômica mundial de 2008, o G8 foi gradualmente perdendo destaque em relação ao G20 – que inclui o Brasil.

Para a professora da UERJ Miriam Saraiva, especialista em relações Brasil e Europa, os países europeus têm um papel importante no esforço de ascensão internacional do Brasil.

“Durante o governo Lula, o Brasil buscou uma aproximação com países europeus para tentar influir sobre a ordem internacional. Nesse esforço, os países europeus têm um lugar de destaque para puxar o Brasil para as negociações mais importantes”, afirma Saraiva.

Negociador ‘indigesto’

Nos próximos anos, o Brasil voltará a negociar o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia e continuará tentando ampliar sua influência nos debates internacionais. Na esfera comercial, ainda há muito ceticismo de todos os lados sobre a possibilidade de se concluir um acordo.

No entanto, na parte de governança global, o Brasil pode se aproveitar do bom momento internacional para aumentar sua influência em instituições em reforma, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou o Conselho de Segurança da ONU, onde há anos o país luta por uma vaga permanente.

“Como existe uma quantidade maior de atores relevantes que são novos, é natural, que nestas configurações firmadas no pós-guerra de 1945, eles estejam subrepresentados – nas esferas de governança financeira, comercial e política”, afirma o embaixador Jaguaribe.

Em alguns casos, a ascensão brasileira poderia até mesmo entrar em conflito com os interesses europeus.

“A Europa perdeu poder relativo e significado relativo de forma importante. Não parece razoável que países europeus de economia proporcionalmente importante mantenham cotas nos organismos de governança mundial superiores a países com economias já muito maiores. É preciso haver uma correção”, diz o embaixador, sem citar nenhum país europeu por nome.

Os analistas também ressaltam que o fato de a Europa estar se recuperando mais lentamente da crise mundial enfraquece os governos internamente na hora de fazer concessões em acordos como o comercial.

“A Europa está em crise hoje. É muito mais difícil para os governos enfrentarem os lobbies, que são pequenos, mas que têm muita força política. Na França, será muito difícil o governo fazer qualquer concessão agrícola ao Mercosul que o enfraqueça internamente neste momento”, afirma Valladão.

Miriam Saraiva ainda lembra que a União Europeia já é um negociador “indigesto” por natureza, já que o bloco precisa da autorização de 27 países para aprovar acordos como o que está sendo negociado com o Mercosul.

Fonte: BBC Brasil


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